Sônia Lages
Sônia é Professora pela Faculdade de Ciências da Religião da UFJF e atua na área da psicologia, religiosidades afro-brasileiras, além de religião, direitos humanos, saúde e juventude.
Poder e o patriarcalismo nosso de cada dia
O poder, seguindo as trilhas de Foucault, acontece nas relações sociais através de um jogo em que as posições hegemônicas estão em lutas contínuas com os movimentos de resistência, os movimentos contra-hegemônicos. Esse conflito se diferencia de acordo com os contextos histórico-culturais; e acontece em todas as instituições, de forma transversal. Os diferentes e diversos poderes se apoiam uns nos outros para construir estratégias e alcançar eficácia em seus objetivos. O patriarcalismo, ideologicamente, propõe a supremacia do homem nas relações sociais, e se estabeleceu como um poder que acabou por normatizar a sociedade em seus diversos campos, o que se denomina de heteronormatividade, um imperativo ideológico que propõe códigos que sustentam o casamento monogâmico, a fidelidade conjugal, a família burguesa (pai-mãe-filhos), e a condenação de todas as outras práticas consideradas desviantes.
O movimento feminista se funda numa ideologia que objetiva barrar essa pretensa hegemonia hétero, e propor igualdade entre homens e mulheres; ou ainda, a partir de outras correntes feministas, a igualdade a partir das diferenças entre homens e mulheres. Nessas lutas estão inclusos, ainda, o movimento LGBT e Queer, que pretendem desestabilizar os conceitos de gênero, combater o machismo e as violências dele decorrente. Esses movimentos estão presentes em nosso cotidiano, e em toda a história de lutas contra as diferentes opressões. As políticas públicas (saúde da mulher, Lei Maria da Penha, reconhecimento das relações homo-afetivas pelo Estado), passeatas, etc, são exemplos dessas reações.
Capitalismo
O capitalismo se sustenta na divisão social da força de trabalho, dispositivo de controle social em que homens e mulheres ocupam diferentes espaços. Às mulheres, o trabalho doméstico, o cuidado com a saúde e educação dos filhos, a proteção dos mesmos, o que, numa lógica economicista, significa preparação da futura mão-de-obra. Ou seja, à mulher, o mundo privado, não-político, trabalho não-remunerado, o que acabou por permitir muitas atrocidades – desvalorização do trabalho da mulher, (concebido como sendo de vocação à maternidade e ao lar); a violência doméstica; a tentativa de estabelecer uma essência, natural do feminino, que teria toda sua vida dedicada ao outro, de forma gratuita e amorosa - o mito da maternidade. Como disse anteriormente, o poder não atua sozinho, a partir de uma única instituição, ele está sempre articulado com outros poderes institucionais. No caso aqui, o capitalismo atua junto com o Estado, com a religião, com a ciência médica. A cada uma cabe sua parte na construção de normas para a organização social, sempre numa perspectiva heteronormativa, empoderando alguns sujeitos e tentando desmobilizar outros. Ou seja (de forma simplificada), o capitalismo fez a divisão social do trabalho; o cristianismo exalta a maternidade, a ciência médica orienta os cuidados com a saúde da família, o Estado legisla as diferenças (lembrando que não tem muitos anos, o homem podia matar a esposa infiel, em defesa da honra).
Fonte:br.pinterest.com
Saudação
à
Iemanjá
-
Umbanda
Feminismos nas Religiões
Quanto às religiões monoteístas, não consiguiria pontuar nenhuma que pretende libertar a mulher do julgo patriarcal. Existe sim, pelo contrário, lutas das mulheres para se libertar das leituras patriarcalistas e machistas dos textos considerados sagrados, como por exemplo, xs teólogxs feministas. A teologia feminista propõe outras interpretações, que têm o objetivo de reconsiderar as tradições, escrituras e práticas de diferentes religiões, ou ainda, pretendem uma crítica da razão religiosa patriarcal, a partir de uma perspectiva feminista. Por outro lado, as religiões afro-brasileiras são exemplos de outras perpectivas de participação da mulher e dos homossexuais no campo religioso. Além de terem uma forte presença nesse campo, liderando comunidades tradicionais de terreiro, o seu panteão inclui a presença de mulheres – muitas Orixás (com reconhecidos poderes), como no candomblé; no caso da Umbanda, a presença de Pretas-velhas e Caboclas; e no caso da Quimbanda, a entidade da Pomba-gira, que representa a contra-mão do discurso patriarcal sobre as mulheres e seus destinos domésticos e de mulheres-mães-assexuadas.
O cristianismo, por exemplo, teve e tem um papel fundamental na cristalização dos papéis sociais das mulheres e dos homens; e também sempre pretendeu controlar a sexualidade de homens e mulheres, direcionando-a para dentro do casamento com a finalidade de reprodução, com o prazer sexual sempre a serviço dessa ideologia. Se a família, em sua perspectiva nuclear burguesa (pai-mãe-filhos), se vê refletida na Sagrada Família (Virgem Maria, Jesus, São José), é fácil perceber que todas as outras formas de viver a sexualidade humana, serão constrangidas pelas igrejas cristãs.
A Mídia
Elas reproduzem as ideologias patriarcais e machistas, os esteriótipos e preconceitos contra mulheres e homossexuais, de maneira geral. Basta ver isso nas novelas da maioria das emissoras de Tv. Qual é o fim das mulheres que não se sujeitam ao casamento, que pretendem viver sua sexualidade de forma livre? Qual o destino dos homossexuais, como eles aparecem? E ainda, quanto às mídias religiosas: quais os discursos são produzidos por elas quanto às questões de gênero e de sexualidade? Basta ouvir. O que acontece de diferente, é que o movimento feminista e o movimento negro estão de prontidão para combater o sexismo e o racismo nas mídias – denunciam, entram na justiça. Isso fez com que as mídias fiquem mais atentas ao que estão veiculando, inclusive propondo debates sobre várias dessas questões em seus programas, novelas, etc.